Você já parou para pensar que a brincadeira de soltar pipas é predominantemente das crianças negras? É uma tradição suburbana e periférica – onde a maior parte da população é negra. Logo, por mais que não se diga que pipa é coisa de preto, quando pensamos nesse recorte, constatamos que é sim. É com esse argumento que o cineasta Leonardo Souza, de Nova Iguaçu – região metropolitana e periférica do Rio de Janeiro – desenvolveu o projeto Rabiola Céu Aberto.
Trata-se de um jogo em que se pode pôr uma pipa no ar, em uma projeção em espaço público, e manipulá-la através do celular. O projeto é financiado pela Black Public Media – uma instituição que fomenta experiências narrativas negras. Depois de passar pelo Complexo da Maré, Penha e Madureira, o projeto ocupa a Lona Cultural de Mesquita, na Baixada Fluminense, nos dias 16 e 17 de agosto, das 18h às 20h.
Leonardo, idealizador do projeto, é formado em cinema pela PUC-RIO e acumula participações em eventos internacionais de audiovisual e tecnologia, já apresentou trabalhos no Festival de Tribeca e dirigiu o filme “Um Grito Parado no Ar”, sobre o legado e vida da psicanalista Neusa Santos Souza, autora do livro. Conversamos com ele como é ter acesso a um universo que parece distante para pessoas como nós e suas escolhas por narrativas que vão além de relatos dolorosos do racismo.
Já falamos algumas vezes aqui na Firma Preta sobre como na criação de imaginários para pessoas negras, ainda mais periféricas, um curso como cinema em uma universidade cara e branca como a PUC parece algo muito distante da realidade. Como você enxerga isso e como foi pra você esse caminho? O que diria para quem tem objetivos de formação que também fogem desse imaginário criado sobre pessoas negras periféricas?
Eu estudei minha vida inteira como bolsista em um colégio particular em Nova Iguaçu e era esperado de mim de que eu deveria ir para uma faculdade federal ou tentar uma bolsa para uma universidade como a PUC. Esse direcionamento veio muito do colégio, porque eu não tinha referência em casa ou em outro lugar. Depois de um tempo eu comecei a ser essa espécie de influência para pessoas próximas, aconselhando sobre lugares que dão mais estrutura e assistência. Procurar esses lugares de excelência é fundamental, porque apesar de serem super elitistas, possuem programas de assistência para bolsistas. Foi assim que eu consegui um intercâmbio, por exemplo. A vaga era disputada somente entre os bolsistas. E quando eu encontro alguém que quer fazer um curso que a gente não está acostumado a ver pessoas como a gente fazendo, sempre trago de pessoas que se parecem com a gente que são referências na área e aconselho se aquilombar, estar em coletivos com pessoas que se parecem com você e não deixar se levar pelo embranquecimento que esses espaços vão causando. Quando eu entrei na PUC, eu não tive contato com coletivos e nada disso no curso de cinema. Foi tudo muito devagar, eu fui encontrando apoio com outros bolsistas e até hoje a gente trabalha junto.
Você tem participação em eventos internacionais de cinema e inovação tecnológica. Qual a sua percepção em relação a recepção do seu trabalho enquanto um profissional negro brasileiro?
O fato de ter entrado no mercado internacional pelo meu financiador faz com que eu chegue nesses espaços com uma espécie de guarda-costas. Uma instituição negra curtiu meu trampo e eu to acessando esses espaços através deles. Estar junto com uma instituição que entende esse recorte racial tem sido fundamental para eu não bater tanta cabeça quanto eu bati quando cheguei na universidade cercado de gente branca e rica, muitas das vezes, que não tem preocupação com o seu estado, dores, desenvolvimento, tudo isso. A única vez que tive problema em um trabalho fora, foi quando estava prestando serviço para uma empresa brasileira. Ali eu senti meu trabalho diminuído e não fui levado a sério por não ser um nome conhecido e ter um desconhecimento sobre a minha origem.
O Rabiola Céu Aberto é financiado pela Black Public Media - que incentiva a disseminação de histórias negras. Antes do projeto, você dirigiu o documentário Um grito parado no ar, contando a história de Neusa Santos Souza, autora de Tornar-se Negro. Como você chegou aos temas desses trabalhos? Por que decidiu levar as pipas pra um game? A questão racial é o determinante na escolha das histórias que você conta?
Não tem como eu contar uma história que não seja atravessada pelo fato de eu ser negro. No caso do filme da Neusa, foi quando eu comecei a mergulhar em autores que falavam de questões raciais. Foi um momento em que me juntei com amigos da faculdade - essa galera negra e bolsista que comentei antes. Cada um começou a escrever seus projetos e cada um ia avaliando o projeto do outro. Eu queria fazer um outro filme e no processo de pesquisa eu li o tornar-se negro e vi que tinha um filme só ali. Eu fiquei muito curioso sobre quem era aquela mulher que tinha escrito aquele livro e porque ele não havia chegado a mim antes. Então, eu escrevi esse projeto e consegui financiamento no edital do labcurta.
Apesar do trabalho sobre a Neusa ser muito sobre dor e racismo, eu procuro sempre pensar em histórias que não tenham esse viés, como é o caso do Rabiola. Eu era muito fascinado pela pipa desde a infância e eu fui querendo explorar a dinâmica do céu como um ponto de encontro e a similaridade dos jogos eletrônicos online como também um ponto de encontro. Eu entendi que a lógica era a mesma e que a ideia de botar uma pipa no ar e brincar com outras pessoas. Pouco se fala sobre pipa ser coisa de preto, mas quando você começa a fazer um recorte, você vê que sim. Quando eu falo de pipa eu falo de infância e de memória afetiva de pessoas negras que viveram isso.
Eu fui então pensando maneiras de explorar o tema. E esse projeto vem de um outro maior que vai ser lançado em breve. Não à toa, as ocupações foram em Madureira, Penha e agora na Baixada. Não faria sentido ser diferente.
Vagas da edição…
POVOS ORIGINÁRIOS. A organização The Nature Conservancy está em busca de uma pessoa para a vaga Especialista em Povos Indígenas e Comunidades Tradicionais, no Xingu.
AMBIENTAL. A Marfrig Global Foods tem uma oportunidade aberta para Líder de Meio Ambiente, na cidade de Tangará da Serra, em Mato Grosso (vaga é presencial).
CLIMA. A consultoria internacional EY tem uma vaga aberta para Analista Sênior de Mudanças Climáticas, em São Paulo, Brazil (híbrido).
TECH. O banco Santander está com vagas destinadas para o F1rst - programa de estágio em tecnologia para pessoas pretas e pardas. São 40 oportunidades de estágio para estudantes pretos ou pardos.
ALIMENTOS. A Unilever, empresas dona de marcas como OMO, Dove, Rexona, Hellmann’s e Kibon, entre outras, abriu as inscrições para o Programa de Estágio de 2024. Não será exigido conhecimento de idioma inglês.
CAMPO. A Mosaic Fertilizantes está com as inscrições abertas para o seu programa de estágio “Novos Talentos”. Parta das vagas são direcionadas a pessoas negras e mulheres com graduação a partir de dezembro de 2024.
BEBIDAS. A Coca-Cola FEMSA Brasil, fabricante do sistema Coca-Cola anunciou a abertura de inscrições para seu Programa de Estágio e Trainee 2024, o #SomosMais
Pra pensar…
Enquanto estamos procurando por outras histórias sobre nós, a branquitude busca formas de garantir a manutenção do lucro em cima de corpos negros. O Alma Preta denuncia que a empresa de segurança que provocou a morte de Beto no Carrefour, mudou de nome e se declara antirracista. Porém, continua operando com o alvo nos “elementos suspeitos”.
A Firma
Com curadoria, redação e edição de Emílio Moreno e Juliana Gonçalves.
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