Darlison Azevedo: Um líder negro na maior plataforma de música do Brasil
“Me usaram num contexto meritocrático. Eu sei da minha correria, mas não me transforme num zoológico”, explica o diretor de conteúdo do Sua Música.
Assistiu alguma das transmissões do São João de Campina Grande? Elas foram feitas pelo Sua Música, a maior plataforma brasileira focada em música regional. Essa foi a primeira vez que o streaming de música patrocinou a festa de São João. Nos últimos dois anos, durante a pandemia, a Sua Música atuou em lives durante os festejos. Parte desse trabalho de inovação vem do time de Darlison Azevedo, diretor de conteúdo, que conversa hoje com a Firma Preta.
Darlison nasceu em Pirambu, a maior favela da periferia de Fortaleza, no Ceará. Começou atuando em gráficas, trabalhou como designer até migrar para o marketing. Hoje, é o diretor de conteúdo ou Head Content, da maior plataforma de música do Brasil. Se liga no nosso papo:
Do Pirambu para o mundo da distribuição digital de música. Como essa jornada profissional se deu e como a vivência na periferia foi responsável pela sua formação?
Na verdade seria do Pirambu "para o mundo da música", ou melhor, dos negócios da música. Hoje o Sua Música é sim uma distribuidora digital, agregadora, mas nós também somos uma produtora de artistas, uma plataforma de streaming e dentre outras atividades.
Eu realmente tinha um sonho de trabalhar com música. Até porque sou frustrado por não conseguir tocar profissionalmente nenhum instrumento. Me sobrou trabalhar com a parte de trás da coisa. E eu vim parar nesse mundo, acredito muito que por conta desse acúmulo de técnicas ou skills pra coisa ficar nos termos publicitários.
Todo jovem de periferia nasce com predefinições da sobrevivência. É preciso muita destreza para sobreviver com tanta intempérie, tantos reveses e eu também não consegui fugir disso. Logo cedo, inclusive para pagar a faculdade privada de design, eu precisei acumular diversos freelas: fui fotógrafo, videomaker, assistente de produção, MC, DJ... e por aí vai.
Naquele momento, era como uma outra faculdade. Era minha clínica geral. Mas isso me trouxe uma visão muito ampla das coisas. Era realmente muita habilidade. Quando passei a gerenciar projetos me senti muito confortável com isso, já que eu colocava a risca, todo esse acúmulo de coisas.
O mercado de música passou por uma transformação gigante no seu modelo de negócios e na estrutura de distribuição, mas ainda vemos muitos profissionais negros em postos do chamado chão de fábrica, montagem, produção, etc. Você ocupa uma posição de liderança que normalmente não é ocupada por nós. Como você vê isso e como é possível modificar essa realidade?
Ainda nesta semana, em que respondo essa entrevista, estive debatendo sobre aquela velha máxima da meritocracia. Me usaram num contexto meritocrático. Usando da falácia poética que eu andava muitos quilômetros para economizar uma das passagens de ônibus do dia pra fazer um lanche no intervalo da aula a noite e eu gritei: EPA PERA LÁ! Eu sei da minha correria, eu sei de tudo que passei, mas não me transforme num zoológico.
Eu faço um esforço tremendo para mudar perspectivas por onde eu passo. Por onde eu caminho. No trabalho não é diferente. O mínimo que poderia dizer é que a minha equipe é sempre a mais diversa em qualquer empresa ou projeto em que trabalho. Mas é o mínimo, de novo, que eu posso dizer.
E que eu percebo que muitos de nós não estamos sendo catapultados para cargos ou posições assim pela opressão da não-perspectiva. Uma fala que parece que ainda estamos nos anos 80 ou 90 onde o abismo de oportunidade separa nós dos cargos. A faculdade já não nos coloca mais do outro lado da mesa. As oportunidades é que viram o jogo. E com essa opressão à não-perspectiva perdemos essas oportunidades. É tudo tão “N vezes” mais difícil pra gente que se contentar ou até desistir parece mais confortável. E quando eu falo de esforço tremendo para mudar perspectivas eu falo de compreender as limitações dos nossos, de compreender e acolher as angústias, dores, medos e tentar me colocar no papel exemplificador disso. Eu uso as minhas dores, angústias, fracassos e êxitos para tentar mostrar que dá certo.
Eu vejo a coisa mudando em escala quando existir novamente um braço dentro desse sistema que possa sabotar essa opressão. Quando ofertamos, usando o dialeto deles, a faca e o queijo, assim como ofertamos a capacidade de sentar à mesma mesa para comer do mesmo queijo e usando a mesma faca deles.
Você passou por várias experiências na carreira, saiu do design, passou por gerente de projetos e agora é Head de Conteúdo no Sua Música. Ao longo dessa trajetória, você se recorda de quanto chefes negros? E como essa sua trajetória profissional moldou o líder que você se tornou?
Tive apenas um “chefe” negro. Entre aspas mesmo, porque era o líder de uma ONG que brevemente apoiei. No mercado eu não tive nenhum chefe negro. Mas “tudo bem”. Também entre aspas. Falei sobre o que me salvou. Mas vou compartilhar outra curiosidade da minha vida pessoal: o quanto a exceção me ensina.
Um dos grandes sociólogos que conheci foi o traficante da esquina da minha casa. Tive grandes aulas de matemática na mesa de bar... e com alguns líderes eu aprendi exatamente como não ser. O que não falar. Como não pressionar, coagir e eu levo muito isso pro meu espírito de liderança. Tive sim, excelentes líderes brancos, caucasianos, gringos. Esses me ensinaram também bastante, é preciso frisar. E isso me traz ânimo de querer ser mencionado como, também, um excelente líder preto para aqueles que já colaboraram comigo.
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Com curadoria, redação e edição de Emílio Moreno e Juliana Gonçalves. Direção de arte, Larissa Cargnin.
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